POR TRÁS DO VÉU - PARTE UM
Mera Coincidência
Por Joel Pires
Até que ponto o jornalismo é comprometido com a investigação dos fatos e, consequentemente, com a revelação da verdade? Essa é uma das questões abordadas no filme “Mera Coincidência”, que nos faz refletir sobre o papel da imprensa nas relações entre política, mídia e sociedade. O longa-metragem apresenta um enredo inteligente e divertido. Às vésperas das eleições – faltando apenas quinze dias –, o presidente se vê envolvido num escândalo sexual que pode por fim à sua carreira política. Para livrar o chefe dessa cilada, seus assessores contratam um diretor de Hollywood a fim de contornar a situação.
A partir daí, a trama coloca o telespectador numa corrida alucinante contra o tempo para desviar a atenção pública. O cineasta hollywoodiano inventa uma guerra contra terroristas na Albânia. A imprensa cai na isca e se mobiliza em torno da mentira. O escândalo é esquecido e a guerra passa a ser o centro das atenções. Assim, todos são manipulados para salvaguardar a honra do presidente e garantir sua reeleição. Para isso, não se medem esforços. O filme é cômico, pois os personagens passam por situações hilariantes, comandados por um egocêntrico cineasta. A ironia permeia a trama. Atitudes irresponsáveis, exageros e acontecimentos esdrúxulos dão o tom humorístico.
À parte o entretenimento, a película desfere uma crítica mordaz à imprensa, vista como indolente e crédula demais. A facilidade com que esta cai no conto revela a negligência dos jornalistas na apuração dos fatos. Há também uma sutil referência ao etnocentrismo americano, pois o povo desconhece tudo o que não está à sua volta; só enxerga o “próprio umbigo”. O produtor utiliza-se disso para inventar situações e o próprio acontecimento central do filme, a guerra na Albânia. Os americanos são enganados e ingenuamente levantam a bandeira do patriotismo. O modo de vida americano é satirizado, revelando a fragilidade das convicções nacionalistas. Também é importante ressaltar o peso da fala “é verdade, passou na televisão”, proferida por Conrad – personagem interpretado por Robert De Niro –, como se tudo denotasse veracidade ao ser veiculado na mídia, especialmente na tevê.
Dessa forma, o filme pode ser visto como uma crítica aos meios de comunicação que distorcem os fatos de acordo com os interesses políticos e econômicos de grupos ou pessoas influentes. Também é interessante notar que “Mera coincidência” se contrapõe a “Todos os homens do presidente”. O primeiro mostra o lado indolente da imprensa; o segundo destaca a investigação cuidadosa, meticulosa, realizada por dois repórteres para desmascarar o presidente dos Estados Unidos. Em outras palavras, a imprensa pode ser muito útil à sociedade, mas também pode ser nefasta ao colaborar com a injustiça, distorcendo a notícia e manipulando a opinião pública.