quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A MOSCA


Joel Pires

            Subitamente, a mosca entrou pela fresta da janela. Ao sol do meio-dia, ela parecia procurar refúgio contra o calor insuportável. A passagem daquele ser, atravessando a sala, desviou a atenção da família por um instante. Berenice, preocupada com a inesperada visita, saiu à procura de algo que pudesse ter chamado a atenção daquele inseto. Percorreu a casa espreitando tudo: indícios, odores, restos... enfim algo que, deteriorado e cheirando mal, justificasse a presença incômoda.
            A dona de casa foi até a cozinha. Verificou todos os cantos; abriu armários, gavetas; afastou móveis, utensílios, fogão, e nada. A mosca continuava voando, zumbindo. Batia na vidraça e voltava. Percorria quartos e corredor. Visitava a sala de tevê, essa deusa dos raios azulados – um escritor famoso assim se referiu a ela. Um casal comportado e asséptico noticiava os fatos do dia: acidentes, soterramentos, homicídios, infanticídios, tráfico de drogas e de influência, corrupção.
            A mosca é um inseto que possui uma enorme variedade de espécies: mosca-de-casa, mosca-varejeira, mosca-brava, mosca-da-abóbora, mosca-da-azeitona, mosca-da-carne, mosca-da-cenoura, mosca-da-madeira, mosca-das-frutas, mosca-de-banheiro, mosca-de-cavalo, mosca-de-fogo, mosca-de-ura, mosca-do-bagaço, mosca-do-berne, mosca-do-gado, mosca-do-mediterrâneo, mosca-do-pombo, mosca-do-queijo, mosca-dos-olhos, mosca-dos-chifres, e por aí vai. A mosca da Berenice é do tipo doméstica. Ela chega, às vezes, sorrateira e contamina tudo. As bactérias se proliferam. As doenças se alastram.
            A “caixa dos raios azulados” continuava ligada. Enquanto todos se dispersavam em busca do inseto tétrico, a televisão – esse dinossauro – estava ali há uma eternidade vomitando tragédias. Ainda bem que a mosca não gosta de carne viva!